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Paula von Borries Lopes

Compensação fiscal antes do trânsito em julgado


Uma decisão recente da Justiça Federal de São Paulo deixou muitas empresas entusiasmadas com a possibilidade de o art. 170-A[1] do Código Tributário Nacional (CTN) não mais impedir a imediata compensação de valores indevidamente pagos, quando o crédito tributário já foi objeto de recurso repetitivo e seu julgamento, decidido de forma favorável ao contribuinte.

O comando legal estabelece que, tendo o contribuinte ingressado em juízo, deverá aguardar o trânsito em julgado para a certeza quanto à ocorrência de indébito a possibilitar a compensação[2]. Não obstante a disposição contida no art. 170-A do CTN, a 5ª Vara Cível Federal de São Paulo concedeu tutela de evidência para assegurar à autora, em cumprimento provisório de sentença, a compensação imediata do indébito tributário referente à contribuição previdenciária patronal incidente sobre quantias pagas a título de aviso prévio indenizado, terço constitucional de férias e auxílio-creche. Segundo o magistrado, não se mostra razoável esperar que transite em julgado decisão que apenas aplica tese jurídica definida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na sistemática repetitiva.

Dada a crise econômica por que passa o país, é certo que diversas sociedades empresárias possuem urgência na compensação tributária a que têm direito e pensam ser desnecessário aguardar a coisa julgada, tendo em vista que já existe um prognóstico sólido quanto ao resultado da controvérsia. Contudo, a compensação é modalidade de extinção do crédito tributário e, evidentemente, exige cuidados antes da sua autorização.

No presente estudo, optei por analisar o cabimento de medida judicial com vistas a afastar a aplicação do art. 170-A do CTN estritamente no tocante às contribuições sociais incidentes sobre terço constitucional de férias, questão que ainda não foi apreciada definitivamente pela Suprema Corte.

Inicialmente, impende destacar que o STJ, valendo-se de recurso identificado como representativo da controvérsia, realmente já pacificou o entendimento de que a importância paga a título de terço constitucional de férias possui natureza indenizatória/compensatória, e não constitui ganho habitual do empregado, razão pela qual sobre ela não é possível a incidência de contribuição previdenciária (a cargo da empresa).[3]

Essa tese serve de parâmetro para os demais recursos que versem sobre questão jurídica idêntica, nos termos do art. 1.039 do CPC/2015. Portanto, possível aduzir que, por vincular as instâncias inferiores, a decisão proferida pelo STJ na sistemática repetitiva já atribui certeza ao crédito e, assim, imperioso o afastamento do óbice do art. 170-A.

Destaca-se que, nessa hipótese, a Fazenda Nacional fica inclusive autorizada a não contestar, não interpor recurso ou a desistir do que tenha sido interposto, desde que a decisão desfavorável não possa ser objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na forma do inciso V do art. 19 da Lei nº 10.522/2002, incluído pela Lei nº 12.844/2013.

Nesse sentido, inclusive, a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) chegou a firmar orientação[4] (já superada, conforme exposto a seguir) no sentido de que seria inaplicável o art. 170-A do CTN, quando a matéria estivesse pacificada no âmbito do STJ e do STF, uma vez que, dada a impossibilidade de alteração da situação jurídica já reconhecida, não seria razoável aguardar o trânsito em julgado da decisão para efetivação da compensação do indébito tributário.

No caso de (não) incidência de contribuição previdenciária sobre terço constitucional de férias, contudo, não parece evidente a certeza do direito capaz de amparar autorização liminar da compensação, para que seja mitigada a existência de uma norma jurídica concreta individual definitiva. Isso porque, mesmo frente à fixação do resultado do julgamento proferido no regime dos repetitivos, a União comumente procura enquadrar a matéria em destaque no tema 20 da repercussão geral, versado no RE 565.160/SC.

Não obstante a jurisprudência do STF seja firme no sentido de que a discussão cinge-se ao âmbito infraconstitucional, tendo em vista que demanda a análise da natureza jurídica da verba (indenizatória ou remuneratória)[5], a Corte vem consolidando o entendimento, há muito defendido pelo Ministro Marco Aurélio, de que essa orientação é aplicável, na verdade, em face do empregado celetista[6]. Quando se trata da contribuição previdenciária patronal incidente sobre a folha de salários, aduz-se que a controvérsia está de fato abrangida no recurso com repercussão geral reconhecida[7].

Válido, ainda, ressaltar que o RE 565.160/SC, acima mencionado, foi recentemente julgado, tendo o Plenário fixado a tese de que a contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998. Na sessão de 29/03/2017, os Ministros entenderam que apesar da redação original do art. 195, I, da Constituição dispor acerca da incidência dessa contribuição sobre a “folha de salários”, sem manifesta menção aos demais rendimentos de trabalho recebidos a qualquer título, o art. 201, §4º (atualmente §11), da Carta Maior já revelava o alcance dessa expressão. A partir de uma interpretação sistemática da Constituição, este dispositivo, segundo os Ministros, autorizava e determinava expressamente a incorporação dos valores percebidos habitualmente pelo trabalhador ao seu salário, em razão do vínculo empregatício, para fins de aferição da base de cálculo da contribuição previdenciária.

Neste contexto, malgrado o entendimento favorável do STJ ao crédito do contribuinte, obtido por meio do regime de julgamento dos recursos repetitivos, a Fazenda Pública ainda encontra respaldo para contestar a tese que lhe é contrária, diante da envergadura sobre o alcance da expressão “folha de salários” versada no art. 195, I, da Carta da República (desde que aventada em momento processual oportuno).[8]

Feita essa digressão, importa dizer que a União ainda não reconhece a não incidência da contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias, de modo que não parece haver razões suficientes para que a regra geral do art. 170-A seja excetuada.

Ademais, o STJ adotou a posição de que a restrição se aplica também ao aproveitamento de tributo decorrente de vício de inconstitucionalidade, uma vez que a norma não fez qualquer alusão à origem ou à causa do indébito tributário. Veja-se a seguir:

TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. ART. 170-A DO CTN. REQUISITO DO TRÂNSITO EM JULGADO. APLICABILIDADE A HIPÓTESES DE INCONSTITUCIONALIDADE DO TRIBUTO RECOLHIDO.

1.Nos termos do art. 170-A do CTN, “é vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial”, vedação que se aplica inclusive às hipóteses de reconhecida inconstitucionalidade do tributo indevidamente recolhido. 2.Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08. REsp 1167039/DF, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Primeira Seção, DJe de 2/9/2010.

Cuida-se, pois, de orientação sedimentada na sistemática dos recursos repetitivos, assentando que o disposto no art. 170-A do CTN é aplicável até mesmo às hipóteses em que fora reconhecida a inconstitucionalidade do tributo indevidamente recolhido. É ver que, segundo o entendimento da Corte, nem mesmo decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado prevalece sobre a autonomia da ação.

Desse modo, a tutela de evidência concedida pela Justiça Federal de São Paulo, para autorizar a imediata compensação dos valores correspondentes à contribuição previdenciária incidente sobre valores recolhidos pela empresa aos empregados a título de terço constitucional de férias, vai de encontro à pacífica jurisprudência que determina a aplicação do art. 170-A do CTN.

Imperioso, ainda, assinalar que a decisão proferida pelo Ministro Roberto Barroso no ARE 895.351/AC, trazida a lume na tutela provisória, não pode ser ilustrada como precedente favorável à tese da compensação imediata, vez que o recurso tampouco fora conhecido. O trecho relativo à inaplicabilidade do art. 170-A do CTN excerto dessa decisão refere-se ao entendimento exarado pelo TRF1 (no acórdão recorrido) que, no entanto, já foi abandonado[9] para adoção da posição firmada pelo STJ.

Outrossim, no intuito de conferir segurança jurídica à prestação jurisdicional, juízes e tribunais devem observar os acórdãos de julgamento de recurso especial repetitivo, precedentes com força vinculante, na forma do art. 927, III, do CPC/2015. Por conseguinte, para afastar a aplicação desses julgados de reprodução obrigatória, exige-se a realização de distinguishing[10] ou overruling[11].

Analisando a tutela de evidência concedida nos termos já relatados, contudo, depreende-se que não houve distinção alguma do caso concreto ao que fora decidido no REsp 1.167.039/DF, sequer mencionado. O contribuinte, em verdade, insiste em fundamentos já apreciados pelo STJ na sistemática repetitiva, de modo que, malgrado acolhidos pelo magistrado de primeiro grau, a decisão possivelmente será revertida pelo Tribunal.

Nesse sentir, manifestou-se a Receita Federal do Brasil na Solução de Consulta COSIT nº 119, de 07 de fevereiro de 2017:

COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. MATÉRIA VINCULANTE. AÇÃO JUDICIAL PRÓPRIA. TRÂNSITO EM JULGADO. REQUISITO.

A Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) encontra-se vinculada aos entendimentos desfavoráveis à Fazenda Nacional firmados sob a sistemática de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de recurso especial repetitivo, a partir da ciência da Nota Explicativa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), nos termos da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 1, de 2014. Em regra, a jurisprudência vinculante autoriza a restituição ou compensação administrativas de tributos recolhidos indevidamente, observados os prazos e procedimentos estabelecidos na legislação. Não obstante, na hipótese em que o direito é postulado mediante ação judicial própria, o contribuinte deve aguardar o trânsito em julgado da decisão judicial, a fim de proceder à execução judicial ou à compensação administrativa.

Assim, para as ações ajuizadas na vigência da LC nº 104/2001 (que acrescentou o art. 170-A ao CTN), a jurisprudência aplica com rigor o condicionamento da possibilidade de compensação ao trânsito em julgado do feito.

É certo que o STJ firmou, sob o rito dos recursos repetitivos, a não incidência de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias. No entanto, com amparo no mesmo rito, foi fixada a orientação de que é vedada a compensação, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão. Os precedentes não são contraditórios e, portanto, ambos vinculam as instâncias inferiores.

Dessa forma, a decisão que deferiu tutela de urgência, para assegurar ao contribuinte a compensação imediata do indébito tributário, diverge da jurisprudência nacional já pacificada, ficando ao alvedrio do magistrado determinar eventual cumprimento provisório de sentença.

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[1] Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial. (Artigo incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

[2] No mesmo sentido, há vedação expressa, constante da IN SRF nº 1.717/2017, à compensação do crédito do sujeito passivo para com a Fazenda Nacional, objeto de discussão judicial, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão.

[3] REsp 1230957/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Primeira Seção, DJe 18/03/2014. (Tema 479)

[4] Confira-se: AMS 2007.35.00.026849-0/GO, Rel. Desembargador Federal SOUZA PRUDENTE, Oitava Turma, e-DJF1 de 18/11/2011; AMS 0000083-40.2008.4.01.3502/GO, Rel. Desembargador Federal NOVÉLY VILANOVA, Oitava Turma, e-DJF1 de 10/04/2015.

[5] Nesse sentido: ARE 927.918/BA AgR, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe 19/04/2016; RE 600.976/ES AgR, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, DJe 24.09.2015.

[6] Confira-se: RE 887.660/RS AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe 13/03/2017.

[7] Nesse sentido: ARE 1.008.505/SC ED-ED-AgR, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, DJe 09/06/2017; ARE 979.579/SC AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe 12/02/2017.

[8] Ressalto que muitas vezes os Tribunais a quo não analisam a questão sob o ponto de vista constitucional, de modo que o art. 195, I, da Constituição não pode sequer ser tido por prequestionado.

[9] Confira-se: AMS 0023510-79.2007.4.01.3800/MG, Rel. Desembargadora Federal MARIA DO CARMO CARDOSO, Oitava Turma, e-DJF1 de 21/08/2015; AC 0050070-79.2016.4.01.3400/DF, Rel. Desembargador Federal NOVÉLY VILANOVA, Oitava Turma, e-DJF1 de 28/07/2017.

[10] Confira-se: “Fala-se em distinguishing (ou distinguish) quando houver distinção entre o caso concreto (em julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica) constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente”. DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2. 7ª Ed. Salvador: 2012. p. 402-403.

[11] “Os dispositivos da overruling e da overriding, por sua vez, consistem na supressão da aplicação de precedentes judiciais – supressão total no caso da primeira e parcial no caso da segunda. São atos, portanto, submetidos a critérios mais rígidos de fundamentação. É necessário que sejam comprovados, por parte de quem decide, que há boa-fé e necessidade na mudança de paradigma realizada, o que é completamente razoável, uma vez que modificações de seguimento de precedentes feitas de maneira desenfreada extinguiriam a segurança e a previsibilidade do sistema jurídico, o que seria caótico.” DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil. op.cit., p 405-408.

Paula von Borries Lopes - Graduada em Direito, Universidade de Brasília.

Disponível em https://jota.info/artigos/compensacao-fiscal-antes-do-transito-em-julgado-07092017


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